2 de julho de 2015

O estado de natureza para Hobbes


por Douglas Weege

Para Hobbes, considerando todos os aspectos do homem em conjunto, existe, por natureza, igualdade entre os homens quanto às faculdades do corpo e do espírito. É preciso compreender que, diferentemente dos intérpretes mais equivocados do autor, ele não está dizendo que não existem diferenças naturais entre os homens, como uns serem mais fortes fisicamente do que outros, ou mais velozes, ou mais inteligentes, etc. Tanto ele não nega as diferenças circunstanciais entre os homens que em The Elements of Law afirma, segundo Freitas, que eles “diferem muito quanto à sua constituição vital” e, ainda, “aquilo que ajuda e favorece a constituição vital de um [...] retarda-a e frustra-a num outro” (2012, p. 229). Por isso, o autor indica (isto sim) que essas diferenças não são suficientes para que alguém possa “reclamar qualquer benefício a que outro não possa também aspirar, tal como ele” (1983, p. 45). Nas palavras de Hobbes, “o mais fraco tem força suficiente para matar o mais forte, quer por secreta maquinação, quer aliando-se com outros que se encontrem ameaçados pelo mesmo perigo” (1983, p. 45). Deste modo, independente de serem fortes ou fracos, velozes ou lentos, inteligentes ou desprovidos de inteligência, a igualdade entre os homens em relação às faculdades do corpo refere-se à possibilidade que ambos possuem, no estado de natureza, de tirarem um a vida do outro, uma vez que ambos possuem a mesma vulnerabilidade.

Em relação às faculdades do espírito, a igualdade entre os homens, para o pensador inglês, é ainda mais evidente. Neste ponto, Hobbes deixa de lado a comparação da capacidade “de realizar os raciocínios e deduções que conduzem a conclusões certas e infalíveis sobre a natureza das coisas e as consequências necessárias dos eventos, permitindo alcançar o conjunto de conhecimentos” que ele chama de ciência (MARQUES, 2009, p. 73). Pois nesse aspecto, segundo ele, o próprio homem não tem dificuldades de reconhecer maior inteligência e saber em outrem. O que interessa, então, é mostrar que em relação à prudência, uma das faculdades do espírito, os homens também são semelhantes. “Porque a prudência nada mais é do que experiência, que um tempo igual igualmente, oferece a todos os homens, naquelas coisas a que igualmente se dedicam” (HOBBES, 1983, p. 45). Falando de outra maneira, é a prudência como conhecimento acumulado pela experiência que tem uma relevância significativa para lidar com as questões da vida, não o conhecimento científico, e, neste aspecto, os homens tem a mesma possibilidade. Conforme Marques:
Hobbes tem certamente boas razões para propor que a igualdade entre os homens quanto à prudência constitui o fator determinante para produzir o equilíbrio de suas possibilidades competitivas, obliterando as consequências de uma possível desigualdade quanto à capacidade de desenvolver raciocínios e chegar às conclusões próprias da ciência. Embora a ciência constitua um conhecimento certo e necessário, sua aplicação às questões que dizem diretamente respeito à preservação da vida é muito mais restrita e menos efetiva que as meras opiniões forjadas pela experiência quotidiana com as questões que afetam diretamente a existência. Em especial, nas condições extremas do estado de natureza, que é o contexto da discussão no capítulo XIII do Leviatã, ninguém poderia razoavelmente dar-se o luxo de despender tempo e esforço no seu aprendizado, supondo-se, per impossibile, que houvesse como aprendê-la, já que a ciência exige instituições para sua preservação e difusão, e essas instituições pressupõem uma estabilidade política que está de todo ausente do estado de natureza hobbesiano (2009, p. 77).
Ao evidenciar a semelhança natural entre os homens a partir do critério da matabilidade, isto é, da possibilidade de todos serem mortos por todos, Hobbes esclarece que “desta igualdade quanto à capacidade deriva a igualdade quanto à esperança de atingirmos nossos fins” (1983, p. 46). Neste sentido, quando dois homens desejam o mesmo fim tornam-se automaticamente inimigos, tendo que um destruir ao outro para que possam atingir sua finalidade. No estado de natureza, ao que tudo indica segundo a narrativa hobbesiana, não há muita saída. Parece haver certo determinismo. Pois, o pensador inglês alerta que quando alguém consegue, pela força do seu trabalho, construir “um lugar conveniente, é provavelmente de esperar que outros venham preparados com forças conjugadas, para desapossá-lo e privá-lo, não apenas do fruto de seu trabalho; mas também de sua vida e de sua liberdade” (1983, p. 46). Consequentemente, esses invasores, agora possuidores do lugar invadido, também estarão à mercê, subsequentemente, de outros homens. Todos são, portanto, no estado de natureza, invasores e invadidos, ameaçadores e ameaçados, perseguidores e perseguidos.
Consciente da ameaça, a melhor maneira de prevenir-se é a antecipação. Mesmo aqui não há saída. A antecipação pode ocorrer a partir de invasões e conquistas aqueles que lhe ameaçam, isto é, antes que se corra o risco de ser dominado é melhor arriscar o domínio. Entretanto, esta ação por vezes pode ir além do que os limites de sua segurança permitem. Outros, porém, podem decidir lidar com as ameaças a partir da defesa, isto é, permanecendo com poucos limites, sem chamar atenção, sem parecerem ameaçadores e sem buscar expandir seu poder com intuito de não atrair a cobiça. Neste caso, porém, corre-se o risco de ter uma fragilidade imensa para defender-se de qualquer tipo de invasor. Fato é que tendo uma ou outra postura, do ataque ou da defesa, “esse aumento do domínio sobre os homens, sendo 46). Portanto, o estado de natureza, para Hobbes, é um estado de guerra. Um estado conflituoso devido às paixões humanas. “Todos os homens se igualam em suas paixões, isto é, no esforço de satisfazer o desejo e de afastar o indesejável” (ABRÃO, 1999, p. 237). Sem dúvida, por isso, Hobbes salienta que “os homens não tiram prazer algum da companhia uns dos outros” (1983, p. 46). Ora, uma vez que o outro é sempre uma ameaça, que prazer se pode ter em viver próximo daquele que a qualquer momento pode lhe atacar?

Em suma, o conflito humano é causado, para Hobbes, devido a competição, a desconfiança e a glória. Segundo o autor, enquanto a competição faz os homens se atacarem por causa do lucro, a desconfiança faz com que os homens se ataquem por segurança, e a glória é causadora do conflito humano pela reputação. Faz-se imprescindível notar que independentemente da causa de um determinado embate, Hobbes tem convicção que “durante o tempo que os homens vivem sem um poder comum capaz de manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra” (1983, p. 46). Neste estado de guerra, que é para o pensador o estado de natureza, as noções de certo e errado, de bem e de mal, de justiça e injustiça não tem lugar, uma vez que “onde não há poder comum não há lei, e onde não há lei não há injustiça” (HOBBES, 1983, p. 47). Também “não há propriedade, nem domínio, nem distinção entre o meu e o teu; só pertence a cada homem aquilo que ele é capaz de conseguir, e apenas enquanto for capaz de conservá-lo” (HOBBES, 1983, p. 47). É extremamente preciso e indispensável, portanto, que os homens tenham um poder comum capaz de mantê-los em paz. Pois, vale reforçar, o estado de natureza não é apenas um estado que de tempos em tempos há guerra, mas sim, é um estado de constante e permanente guerra, onde “a paz não pode ser instaurada quando cada um estiver dependendo de sua defesa solitária em relação ao outro” (FREITAS, 2012, p. 234). Enfim, o que tende a prevalecer e manifestar-se no cotidiano da vida do homem no estado de natureza é o medo, decorrente da insegurança generalizada. É daí, deste medo onipresente, que se manifestam as paixões que inclinam o homem a desejar a paz; e a razão, capaz de possibilitá-la. Nas palavras de Hobbes: “As paixões que fazem os homens tender para a paz são o medo da morte, o desejo daquelas coisas que são necessárias para uma vida confortável, e a esperança de consegui-las através do trabalho” (1983, p. 47). Como argumenta Bueno:
“o medo recíproco que impera entre os homens no estado de natureza decorre, sem dúvidas, da igualdade natural entre eles, que a qualquer momento podem ferir como serem feridos, em decorrência da fragilidade do próprio corpo que, se perecido, destroem-se também a força, o vigor e a sabedoria, de onde se conclui que não há superioridade de um homem sobre os outros” (2010, p. 5).

A razão, por sua vez, aparece como instrumento que “sugere adequadas normas de paz, em torno das quais os homens podem chegar ao acordo” (HOBBES, 1983, p. 47). Essas normas são denominadas pelo pensador de leis da natureza.

O que se explicita com o que já foi exposto é que os homens, segundo Hobbes, são seres igualmente anti-sociais por natureza, seres que possuem uma liberdade igual e irrestrita, onde todos tem direito a tudo e, por isso, fazem do estado de natureza um estado de guerra, um estado de completa insegurança, uma vez que as paixões fazem os homens se confrontar. O que leva o homem, portanto, ao acordo, ao consenso e/ou ao contrato, que funda a sociedade civil, é, para Hobbes, a segurança.

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