31 de março de 2021

O que "pensam" os que não pensam?


São nos primeiros anos da educação escolar que aprendemos o que distingue a espécie humana de outros animais. Seres humanos são dotados de razão, o que os permite pensar e decidir acerca de seus atos, mas isso não significa que todos usem de igual modo essa capacidade. Uns usam mais, outros menos e há uma parcela significativa que vive sem qualquer preocupação ou compromisso com o pensamento. Mas o que passa pela cabeça dos que vivem sem a atividade fundamental do ser humano? O que "pensam" os que não pensam?

Os filósofos gregos, há muito tempo, já alertaram que a razão é capaz de nos libertar das paixões e/ou vícios. Em Ética, o termo vício designa muito mais do que aquelas coisas que o senso comum costumeiramente reconhece como vício. Este é compreendido, em linhas gerais, como irresponsabilidade do sujeito diante de uma ação. Em outras palavras, entre n opções para agir num dado cenário, o viciado escolhe o pior. Opta pela violência, desonestidade, mentira, mesquinhez, etc. Pensar é indispensável para viver bem, consigo ou com o próximo, embora muitos tem se mostrado incapazes dessa reflexão. As pessoas em nossos dias não querem agregar, elas querem ter razão, ainda que esta não tenha qualquer fundamentação plausível. Se este é o seu caso, você está se deixando levar por um vício.

Paixão é irracional e ainda que vários pensadores tentaram salvá-la como ímpeto para alguma potência de agir, concordo com os gregos, ela costuma nos levar ao erro. O termo pathos está vinculado ao impulso, instinto, desejo, vontade. Possui naturalmente uma força compulsória que quando satisfeita traz algum prazer ao ser humano. Por isso, é tão "boa", ainda que não poucas vezes prejudicial. Nem todo prazer é bom, nem toda vontade pode ser satisfeita, nem tudo que realizamos pautados no querer é liberdade.

O impulso desmedido de querer ter razão a qualquer custo não condiz com uma vida em sociedade, não reflete um ambiente no qual se espera que todos contribuem com vista num bem comum, condiz, isso sim, com uma cadeia alimentar em que o mais forte, ou nesse caso o mais apaixonado, quer sobreviver. Não por acaso, Platão pensou a figura de um cocheiro para descrever a relação entre vontade/desejo e razão. O conflito entre o que eu quero e o que eu devo só pode ser resolvido por meio da capacidade racional humana e, portanto, por meio do pensamento. O animal apenas age impulsivamente segundo seu instinto. O ser humano tem a possibilidade de não agir assim. Negar o pensamento significa negar a contribuição possível, rejeitar o auxílio desejável coletivamente e romper com qualquer possibilidade de um bem comum. Isso porque o único bem que importa é o seu próprio bem e ele costuma estar ligado a satisfação subjetiva das vontades. Quem não pensa não filtra, não afunila e não delimita o que pode e o que não pode ser feito. Aqueles que não pensam pensam somente em si e, por isso, são dispensáveis para uma coletividade que quer construir algo melhor do que a selva. Mas temos como almejar isso na atualidade?

O mundo atual, mas não só, é o mundo da competitividade elevado a vigésima potência. Se alguém acha exagero basta olhar para as pressões que a consciência coletiva exerce sobre cada indivíduo. O estilo de vida familiar ou mesmo pessoal e profissional costumam estar moldados por aquilo que é propagado na grande mídia. Que discorda disso provavelmente pensa e não se deixa levar pelos modismos e modelos, padrõezinhos, que são praticamente impostos a nós. Pensar, num contexto como esse, é indispensável. Pois precisamos refletir e rever nossos conceitos sobre uma série de "verdades" que foram vendidas ao longo do tempo como caminhos para a felicidade sem, no entanto, essa felicidade materializar-se efetivamente na vida de muitas pessoas que seguem esses modelinhos mecânicos e midiáticos. Pensar é respeitar a si mesmo, já que quem não pensa acaba pensando tanto em si, esquecendo-se do outro, sendo que o outro é fundamental para a auto realização de cada um. Pense!

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