por Douglas Weege
A República, obra mais pretensiosa de Platão, segundo Roberto Bolzani Filho, começa, em seu Livro I, com o diálogo entre Sócrates e Céfalo acerca do que se podia aprender com a velhice. Céfalo, o personagem avançado em idade, argumenta que devido a proximidade com a morte e pelo temor com aquilo que os poetas falavam a respeito do Hades, sua atenção voltava-se para com as injustiças que havia cometido ou a tentativa de não mais cometê-las. O que, ao final da vida importa, é perceber se levou uma vida com sabedoria e justiça.
É aí que Sócrates interroga sobre o que Céfalo entende por justiça. A resposta recebida consiste na concepção de que a justiça caracteriza-se por dizer a verdade e devolver o que se recebeu. Entretanto, Sócrates contesta tal conceito na medida em que encontra inúmeras contradições. Estas contradições indicam que tal conceito é inaplicável, pois sendo pode levar o indivíduo a cometer injustiças.
Uma das justificativas se encontra no exemplo de um indivíduo que em sã consciência lhe dá uma arma, mas que a pede de volta quando está furioso e descontrolado por alguma situação. Aplicando o conceito de Céfalo, devolveríamos a arma. No entanto, tal ato poderia acarretar uma injustiça e/ou tragédia.
Céfalo, para cumprir sacrifícios retira-se do diálogo e dá lugar a Polemarco. Este compreende que a justiça refere-se a dar a cada um o que lhe é devido. Entretanto, Sócrates ao fazer Polemarco assumir que esse conceito é o mesmo que fazer o bem aos amigos e o mal aos inimigos mostra que trata-se de uma concepção insuficiente e, também, contraditória. Não é fácil, para Sócrates, ter certeza de quem são os amigos, pois nos prendemos muito as aparências e elas mostram-se, por vezes, enganosas. Também praticar o mal contra o inimigo não corresponde ao estatuto da justiça. Logo, Polemarco filia-se ao pensamento de Sócrates e concorda que sua tese é ineficaz.
Trasímaco, neste contexto, se põe como principal debatedor e assume que "a justiça é o que interessa ao mais forte". Em outras palavras, quem detém o poder estabelece o que é a justiça. Sendo assim, o governo de cada cidade impõe o que é a justiça. E impõe aquilo que lhe trará vantagem. Portanto, em Trasímaco, a justiça é o que dá vantagem ao mais forte. Porém, como há mais vantagem com a injustiça do que com a justiça, no fundo, aquilo que é estabelecido como justiça é na verdade injustiça. Por isso, Trasímaco considera a injustiça sabedoria e virtude e a justiça ignorância e vício.
Sócrates contesta Trasímaco em todos os pontos. Primeiro, argumenta que o governante é um ser falível e, sendo assim, pode estabelecer como justo para si algo que lhe trará desvantagem. Caberia ao governado cumprir tal justiça que traria injustiça ao governo da cidade. Depois, sustenta que o governante, o verdadeiro governante, tal como o verdadeiro médico, o verdadeiro piloto e o verdadeiro artista, executa sua função não para sua própria vantagem, mas para benefício dos governados. Não fosse assim, o médico ou o piloto não receberiam salário pela função que exercem. Deste modo, Sócrates inverte a concepção de Trasímaco, afirmando que a justiça não é o que dá vantagem ao mais forte, mas sim ao mais fraco.
Por fim, Sócrates passa a refutar a ideia de que a injustiça é mais vantajosa e proveitosa do que a justiça. Mostra como a injustiça pode gerar ódio e contenda, não permitindo alguém ou mesmo uma cidade subsistir só pela injustiça, necessitando, assim, da, que é a verdadeira virtude e sabedoria, contrariando a tese de Trasímaco. Deste modo, na justiça que se encontra intrinsecamente vantagem e não na injustiça. Mesmo assim, Sócrates encerra o diálogo do Livro I assumindo que nada sabe a respeito da justiça, entretanto, deixando uma certeza, a saber, que as noções de Céfalo, Polemarco e Trasímaco estão presas ao mundo sensível e, por isso, não passam do campo das opiniões pessoais, ao invés de estabelecer um conceito universal, que é o que Sócrates Busca.
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