Douglas Weege
A chave hermenêutica para compreender a sociedade ocidental é a obscura e sutil teologia econômica do capitalismo. Dito de outro modo, compreender o que é o capitalismo
significa compreender, ao menos em boa parte, o mundo que habitamos. Compreender este
mundo é indispensável para sabermos se é mesmo nele que queremos habitar. Portanto, é
necessário reinterpretar o capitalismo para (re)conhecer o modo de vida humano na
atualidade.
O capitalismo é concebido
tradicionalmente como:
“sistema econômico e social predominante na maioria dos países industrializados ou
em fase de industrialização. Neles a economia baseia-se na separação entre
trabalhadores juridicamente livres, que dispõem apenas da força de trabalho e a
vendem em troca de salários, e capitalistas, os quais são proprietários dos meios de
produção e contratam os trabalhadores para produzir mercadorias (bens dirigidos
para o mercado) visando a obtenção do lucro” (SANDRONI, 1999, p. 80-1).
É possível perceber com a definição acima que, desde a modernidade, a visão
majoritária até o tempo presente, no que se refere ao capitalismo, está totalmente fundada na
teoria de Karl Marx (1818-1883). No Manifesto do Partido Comunista (1848, p. 7), Marx e
Engels (1820-1895) afirmam que “a história de todas as sociedades que existiram até nossos
dias tem sido a história das lutas de classes”. Para eles, no entanto, diferentemente da
antiguidade, onde havia uma diversidade expressiva de “divisões hierárquicas”, a luta de classes da modernidade, com o desenvolvimento do capitalismo, se reduziu a dois grupos
bem específicos, isto é, a classe burguesa, capitalistas, e o proletariado, trabalhadores
juridicamente livres. Não há problema quanto a esta afirmação, pois aparentemente, no que se
refere a dita luta de classes, muito já foi discutido e superado. Entretanto, o pressuposto de
Marx tanto no Manifesto quanto em O Capital ou em outras obras para pensar o sistema
capitalista traz algum incômodo. Obviamente, não há espaço aqui, e também não é
necessário, expor exaustivamente o modo como Marx critica o capitalismo. Também não é
preciso apresentar cronologicamente os sistemas políticos dos primórdios até a consolidação
do capitalismo. Assim como, é dispensável neste momento indicar as fases do capitalismo até
seu momento emblemático. O que interessa é perceber que a partir de Marx o capitalismo
ficou estigmatizado. Tal estigma foi tão bem produzido e alicerçado que se tornou um dogma.
Qualquer crítica ao capitalismo, portanto, tornou-se, à primeira vista, crítica marxista.
Estabeleceu-se, então, uma visão dogmática do capitalismo, bem como, de toda história.
Uma visão fundamentalmente moldada pelo materialismo histórico. Cabe, portanto, salientar
o que na abordagem desta metodologia é indigesto para o presente projeto.
A metodologia de Marx e Engels parece influenciar antecipadamente o resultado de
qualquer análise, enquanto abordagem determinista e absolutista, isto é, enquanto se quer
“fazer da sua uma interpretação de toda a história” (ASSMANN, 1984, p. 24) e, ainda,
enquanto, conforme Adorno (1980 apud ASSMANN, 1984, p. 24), se aspirar traduzir “até o
pecado originário da humanidade, a sua história originária, na economia política”. Neste
sentido, para Assmann (1984, p. 24) “se a teoria marxista quer exclusivizar o fator
econômico, menosprezando a relação entre psicologia e história, merece ser recusada”. Em
suma, nessa primazia dada a economia, como agente determinante de toda história,
menospreza-se, então, não apenas a relação entre psicologia e história, mas a relação destas
com diversas outras ciências. Ora, estando atento para esta visão dogmática da sociedade, é
preciso reconhecer a sua ineficácia para compreender o mundo contemporâneo, ou melhor,
para discernir coerentemente se o modelo político e ético fundado a partir do capitalismo é o
melhor e mais justo para a humanidade.
Bibliografia
ASSMANN, S. J. Escola de Frankfurt: uma superação do materialismo histórico? Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, v. III, n. 6, p. 19-34, 1984.
MARX, K.; ENGELS, F. O Manifesto do Partido Comunista, 1848. Disponivel em: . Acesso em: 19 Outubro 2013
SANDRONI, P. Novíssimo Dicionário de Economia. 1a. ed. São Paulo: Best Seller, 1999.
Muito bem apontado.
ResponderExcluirTendo esses momentos de lucidez sobre o materialismo histórico podemos nos perguntar, embora não apenas isso, se há algum progresso em toda essa confusão política em que vivemos(seja na associação de bairro seja no globo). Aparentemente, ordem já não há mais.