Douglas Weege
Como é sabido, Max Weber (1864-1920) é um dos mais
influentes pensadores na passagem do século XIX para o século XX. Talvez mais
do que isso, pois segundo o jornalista da Folha de São Paulo João Batista
Natali “o século que poderia ter sido o de Marx acabou se tornando o de Max” (1999) . O motivo desta
afirmação foi a eleição realizada por dez intelectuais convidados pela Folha
para escolher os cem melhores livros de não ficção ou ensaios do século XX. A Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo, de Weber, apareceu em primeiro lugar na lista dos
intelectuais. Como se não bastasse, outra obra do autor, Economia e Sociedade, apareceu em terceiro lugar. Claro que pode
haver críticas quanto aos dez intelectuais e a influência de suas escolhas por
causa de suas áreas de atuação. Mesmo assim, não parece um absurdo este
reconhecimento pela obra weberiana. Curiosidades a parte, cabe aqui explorar
minimamente, mas não superficialmente, a obra líder do século XX, segundo o
seleto grupo.
Não
é novidade que A Ética Protestante
foi publicada em dois momentos distintos. A primeira versão (em dois artigos)
em 1904 e 1905, e a segunda em 1920. Na primeira versão os artigos se depararam
com uma Alemanha que “tinha experimentado um rápido crescimento econômico,
convertido pelos nacionalistas em pretensões de grande potência” (RIESEBRODT, 2012, p. 161) . Já na segunda
versão, após a derrota na guerra, a Alemanha, “econômica e socialmente
quebrada, encontrava-se em um estado similar a uma guerra civil” (Ibid. p. 161). Obviamente essas realidades
influenciam de alguma maneira na abordagem weberiana.
Conforme
Raymond Aron (2000, p.
456-7) ,
Weber “se inspira numa filosofia existencialista que propõe uma dupla negação:
Nenhuma ciência poderá dizer aos homens como devem viver (...). Nenhuma ciência
poderá indicar à humanidade qual é o seu futuro”. Claramente na segunda negação refuta o
profetismo marxista. Talvez, por isso, não fica tão distante da abordagem de Walter Benjamin (1892-1940) quanto Karl Marx (1818-1883), no que se refere a compreensão do capitalismo.
Distante
de Marx, de querer explicar tudo a partir da economia, uma evidência salta aos
olhos de Weber em relação a sua análise da sociedade moderna, capitalista.
Pode-se vê-la na afirmação a seguir:
“Está claro que a participação dos
protestantes na propriedade do capital, na direção e nos postos de trabalho
mais elevados das grandes empresas modernas industriais e comerciais, é
relativamente maior, mais forte, ou seja, superior à sua porcentagem na
população total...” (WEBER, 2004, p. 30) .
Temos
aí uma colocação bastante interessante, isto é, a vinculação do capitalismo com a religião.
Especificamente com a religião cristã, o protestantismo. O autor, numa abordagem claramente sociológica, é motivado a identificar que protestantismo é
esse que se vincula fortemente ao dito capitalismo
moderno. Com uma rebuscada análise das denominações protestantes fica
convencido de que o capitalismo
moderno deve seu desenvolvimento à ética calvinista. Esta ética pode ser
encontrada na Confissão de Westminster de 1647, conforme abaixo:
1)
existe um Deus absoluto e transcendente, que criou o mundo e o governa, mas que
o espírito finito dos homens não pode captar; 2) esse Deus, onipotente e
misterioso, predestinou cada um de nós a salvação ou a danação, sem que, com
nossas obras, possamos modificar um decreto divino já estabelecido; 3) Deus
criou o mundo para sua glória; 4) esteja destinado a salvação ou a danação, o
homem tem o dever de trabalhar para a glória de Deus e criar o reino de Deus
sobre esta terra; 5) as coisas terrenas, a natureza humana, a carne, pertencem
ao mundo do pecado e da morte: a salvação para o homem é tão-somente um dom
totalmente gratuito da graça divina (REALE
e ANTISERI, 2006, p. 62).
É
impossível não saltar aos olhos uma alusão fundamental exposta na Confissão,
que contribui e muito para a tese de Weber, ou seja, a atribuição religiosa
imputada ao trabalho. Vale ressaltar: “o
homem tem o dever de trabalhar para a glória de Deus” (REALE
E ANTISERI, 2006, p. 62). Além
disso, seguindo a lógica weberiana, a doutrina soteriológica do calvinismo
proporcionou de maneira ímpar o desenvolvimento do espírito capitalista, pois o
sucesso no trabalho indicava, para o calvinista, o sinal da certeza da
salvação. Deste modo, “a ideia de
comprovar a fé do indivíduo pelas atividades seculares (…) forneceu, para
grupos maiores de pessoas com inclinação religiosa, um incentivo positivo para
o ascetismo” (WEBER, 1981, p. 54). E ainda, o calvinismo “ao fundamentar sua ética na doutrina da
predestinação, ele substituiu a aristocracia espiritual dos monges, desligada
do mundo e superior a ele, pela aristocracia espiritual dos santos
predestinados de Deus no mundo” (Weber, 1981, p. 54). Portanto, e
segundo o ponto de partida do próprio autor, a relação iminente entre a ética
protestante e o espírito do capitalismo só poderia ter como elo não o anseio de
viver feliz por causa das próprias posses ou de uma vida anti-ascética, mas
sim, um incentivo propriamente religioso. Neste sentido, a forma religiosa que
mais combinou e/ou fez sentido com os ideais progressistas do capitalismo foi, fundamentalmente, para
Weber, a ética protestante ascética do calvinismo. Por isso, segundo ele, o capitalismo não pode ser referido apenas
como uma economia política, explicado apenas a partir da luta de classes, como
em Marx. Mas, como uma formação condicionada pela religião, mais
especificamente, pela já dita ética protestante ascética do calvinismo.
BIBLIOGRAFIA
NATALI, J. B. Mais. Folha, 1999. Disponivel em:
REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filosofia, 6: de Nietzsche à Escola de Franfurt. Tradução de Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2006.
RIESEBRODT, M. A Ética Protestante no Contexto Contemporâneo. Tempo Social, revista de sociologia da USP, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 159-182, Junho 2012.
WEBER, M. A Ética Protestante E O "Espírito" Do Capitalismo. Tradução de José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
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