26 de outubro de 2013

O capitalismo como formação condicionada pela religião

Douglas Weege

Como é sabido, Max Weber (1864-1920) é um dos mais influentes pensadores na passagem do século XIX para o século XX. Talvez mais do que isso, pois segundo o jornalista da Folha de São Paulo João Batista Natali “o século que poderia ter sido o de Marx acabou se tornando o de Max” (1999). O motivo desta afirmação foi a eleição realizada por dez intelectuais convidados pela Folha para escolher os cem melhores livros de não ficção ou ensaios do século XX. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, de Weber, apareceu em primeiro lugar na lista dos intelectuais. Como se não bastasse, outra obra do autor, Economia e Sociedade, apareceu em terceiro lugar. Claro que pode haver críticas quanto aos dez intelectuais e a influência de suas escolhas por causa de suas áreas de atuação. Mesmo assim, não parece um absurdo este reconhecimento pela obra weberiana. Curiosidades a parte, cabe aqui explorar minimamente, mas não superficialmente, a obra líder do século XX, segundo o seleto grupo.

Não é novidade que A Ética Protestante foi publicada em dois momentos distintos. A primeira versão (em dois artigos) em 1904 e 1905, e a segunda em 1920. Na primeira versão os artigos se depararam com uma Alemanha que “tinha experimentado um rápido crescimento econômico, convertido pelos nacionalistas em pretensões de grande potência” (RIESEBRODT, 2012, p. 161). Já na segunda versão, após a derrota na guerra, a Alemanha, “econômica e socialmente quebrada, encontrava-se em um estado similar a uma guerra civil” (Ibid. p. 161). Obviamente essas realidades influenciam de alguma maneira na abordagem weberiana.
            
Conforme Raymond Aron (2000, p. 456-7), Weber “se inspira numa filosofia existencialista que propõe uma dupla negação: Nenhuma ciência poderá dizer aos homens como devem viver (...). Nenhuma ciência poderá indicar à humanidade qual é o seu futuro”.  Claramente na segunda negação refuta o profetismo marxista. Talvez, por isso, não fica tão distante da abordagem de Walter Benjamin (1892-1940) quanto Karl Marx (1818-1883), no que se refere a compreensão do capitalismo.

Distante de Marx, de querer explicar tudo a partir da economia, uma evidência salta aos olhos de Weber em relação a sua análise da sociedade moderna, capitalista. Pode-se vê-la na afirmação a seguir:

 “Está claro que a participação dos protestantes na propriedade do capital, na direção e nos postos de trabalho mais elevados das grandes empresas modernas industriais e comerciais, é relativamente maior, mais forte, ou seja, superior à sua porcentagem na população total...” (WEBER, 2004, p. 30).                                                                                      
           
            Temos aí uma colocação bastante interessante, isto é, a vinculação do capitalismo com a religião. Especificamente com a religião cristã, o protestantismo. O autor, numa abordagem claramente sociológica, é motivado a identificar que protestantismo é esse que se vincula fortemente ao dito capitalismo moderno. Com uma rebuscada análise das denominações protestantes fica convencido de que o capitalismo moderno deve seu desenvolvimento à ética calvinista. Esta ética pode ser encontrada na Confissão de Westminster de 1647, conforme abaixo:

1) existe um Deus absoluto e transcendente, que criou o mundo e o governa, mas que o espírito finito dos homens não pode captar; 2) esse Deus, onipotente e misterioso, predestinou cada um de nós a salvação ou a danação, sem que, com nossas obras, possamos modificar um decreto divino já estabelecido; 3) Deus criou o mundo para sua glória; 4) esteja destinado a salvação ou a danação, o homem tem o dever de trabalhar para a glória de Deus e criar o reino de Deus sobre esta terra; 5) as coisas terrenas, a natureza humana, a carne, pertencem ao mundo do pecado e da morte: a salvação para o homem é tão-somente um dom totalmente gratuito da graça divina (REALE e ANTISERI, 2006, p. 62).

            É impossível não saltar aos olhos uma alusão fundamental exposta na Confissão, que contribui e muito para a tese de Weber, ou seja, a atribuição religiosa imputada ao trabalho. Vale ressaltar: “o homem tem o dever de trabalhar para a glória de Deus” (REALE E ANTISERI, 2006, p. 62). Além disso, seguindo a lógica weberiana, a doutrina soteriológica do calvinismo proporcionou de maneira ímpar o desenvolvimento do espírito capitalista, pois o sucesso no trabalho indicava, para o calvinista, o sinal da certeza da salvação. Deste modo, “a ideia de comprovar a fé do indivíduo pelas atividades seculares (…) forneceu, para grupos maiores de pessoas com inclinação religiosa, um incentivo positivo para o ascetismo” (WEBER, 1981, p. 54). E ainda, o calvinismo “ao fundamentar sua ética na doutrina da predestinação, ele substituiu a aristocracia espiritual dos monges, desligada do mundo e superior a ele, pela aristocracia espiritual dos santos predestinados de Deus no mundo” (Weber, 1981, p. 54). Portanto, e segundo o ponto de partida do próprio autor, a relação iminente entre a ética protestante e o espírito do capitalismo só poderia ter como elo não o anseio de viver feliz por causa das próprias posses ou de uma vida anti-ascética, mas sim, um incentivo propriamente religioso. Neste sentido, a forma religiosa que mais combinou e/ou fez sentido com os ideais progressistas do capitalismo foi, fundamentalmente, para Weber, a ética protestante ascética do calvinismo. Por isso, segundo ele, o capitalismo não pode ser referido apenas como uma economia política, explicado apenas a partir da luta de classes, como em Marx. Mas, como uma formação condicionada pela religião, mais especificamente, pela já dita ética protestante ascética do calvinismo.

BIBLIOGRAFIA

ARON, R. As Etapas do Pensamento Sociológico. Tradução de Sérgio Bath. 5a. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

NATALI, J. B. Mais. Folha, 1999. Disponivel em: . Acesso em: 05 set. 2013.

REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filosofia, 6: de Nietzsche à Escola de Franfurt. Tradução de Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2006.

RIESEBRODT, M. A Ética Protestante no Contexto Contemporâneo. Tempo Social, revista de sociologia da USP, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 159-182, Junho 2012.

WEBER, M. A Ética Protestante E O "Espírito" Do Capitalismo. Tradução de José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.


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