1 de novembro de 2013

A contemporaneidade e seu CULTO


“O capitalismo é uma religião puramente cultual, talvez até a mais extremada que já existiu. Nele, todas as coisas só adquirem significado na relação imediata com o culto; ele não possui nenhuma dogmática, nenhuma teologia.” (BENJAMIN, 2013, p. 21). O culto, entendido como “um conjunto de ritos e práticas de veneração ou de propiciação de divindades, de ancestrais, de seres sobrenaturais ou de certos símbolos (JAPIASSÚ, 2006, p. 63)”, no que se refere à religião capitalista, parece ser evidenciado em símbolos e divindades. Se no cristianismo a cruz aparece como símbolo central da fé no Cristo ressurreto, no capitalismo as cédulas bancárias se apresentam diariamente para evocar o culto capitalista. Elas, mais do que qualquer outra coisa, mostram-se para a sociedade contemporânea como resolução das preocupações e inquietações humanas. Não por acaso, a elas presta-se a veneração. Mas “o papel-moeda é apenas uma das manifestações de uma divindade mais fundamental do sistema capitalista cultual: o dinheiro” (LÖWY, 2005). Sobre isso, Walter Benjamin deixa uma referência bastante interessante em seu fragmento de 1921 do pensador anarquista Gustav Landauer:


"Fritz Mauthner ("Wörterbuch der Philosophie") mostrou que a palavra "Deus" (Gott) é originariamente idêntica a "ídolo" (Götze), e que as duas querem dizer "o fundido" [ou "o escorrido'] (Gegossene). Deus é um artefato feito pelos humanos, que ganha uma vida, atrai para si as vidas dos humanos e finalmente torna-se mais poderoso que a humanidade. O único escorrido (Gegossene), o único ídolo (Götze), o único Deus (Gott) a que os humanos deram vida é o dinheiro (Geld). O dinheiro é artificial e é vivo, o dinheiro produz dinheiro e mais dinheiro, o dinheiro tem todo o poder do mundo. Quem não vê, quem ainda hoje não vê, que o dinheiro, que o Deus não é outra coisa senão um espírito oriundo dos seres humanos, um espírito que se tornou uma coisa (Ding) viva, um monstro (Unding), e que ele é o sentido (Sinn) que se tornou louco (Unsinn) de nossa vida? O dinheiro não cria riqueza, ele é a riqueza; ele é a riqueza em si; não existe outro rico além do dinheiro" (Ibid).

Muito provavelmente, Benjamin assumiu esta colocação de Landauer para se referir apenas a essa divindade viva do capitalismo. Pois não parece ser possível conceber em seu pensamento “Deus como um artefato feito pelos humanos”, ao menos levando em conta sua origem judia. De qualquer modo, não é difícil reconhecer na contemporaneidade o culto ao dinheiro, propagado fundamentalmente a partir do consumo.

Atualmente, vê-se que o consumo passou a ser, na prática, a finalidade do bicho homem. Todos querem ter, possuir, consumir. Esta "necessidade" da criatura contemporânea não se relaciona a outra coisa senão a um comportamento religioso, isto é, uma postura de fé diante as adversidades. Este culto ao capital, que escraviza e destrói, origina-se fundamentalmente da criação de um deus que por ser ele mesmo também criatura é incapaz de expiar o pecado do homem. Neste sentido, quanto mais se vivifica o aspecto litúrgico do capitalismo, mais se perde o humano do homem, isto é, mais se negligencia a grande característica do homem em ser chamado humano, a saber, a racionalidade. Por isso, diferente do cristianismo, em que o próprio apóstolo Paulo na carta aos romanos refere-se ao culto cristão como um culto de caráter racional, no capitalismo o culto caracteriza-se por uma irracionalidade completa, onde o individuo engana-se e é enganado ao tempo todo pela epidemia do consumo.


BIBLIOGRAFIA

BENJAMIN, W. O capitalismo como religião. Tradução de Nélio Schneider e Renato Ribeiro Pompeu. 1a. ed. São Paulo: Boitempo, 2013.

JAPIASSÚ, H. . M. D. Dicionário Básico de Filosofia. 4 ed. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.

LÖWY, M. O Capitalismo como Religião. Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves. São Paulo: Folha de São Paulo, Caderno Mais, 2005.


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