Personalidade. Palavra. Caráter. Poucas pessoas possuem.
Me dirijo nesse momento única e exclusivamente aos meus alunos.
Queridos alunos, a maioria de vocês sabem os motivos que me levaram a aderir a greve.
O governo criou uma Medida Provisória (MP198/2015) que transformaria os professores contratados em horistas, retirando também entre outros direitos a regência de classe (que representa 25% sobre o vencimento). Só esta medida arrancaria dos contratados R$ 40 milhões por mês, entre R$ 500,00 e R$ 650,00 a menos no salário de cada professor contratado por 40 horas. Informação que pode ser conferida na própria medida, que já foi, após inúmeras manifestações, retirada da Assembleia Legislativa para votação. Eu, particularmente não estaria sendo afetado de imediato pela medida, apenas no próximo ano. Mas não poderia ficar indiferente aqueles que já seriam prejudicados neste momento. Mas não foi só por esta medida que aderi a greve do magistério.
Também não foi minimamente razoável a proposta do governo para a carreira do magistério, em que ele considerou apenas professores concursados. Ele incorpora a regência de classe no salário do professor alegando que está dando aumento. Ora, o professor conquistou este direito a regência de classe a décadas e este governo quer com uma proposta enganosa retirar. Seu intuito com isso é congelar o salário dos professores por vários anos, uma vez que incorporando a regência o vencimento estará por muito tempo acima do piso nacional do magistério. Ou seja, diferentemente de qualquer profissão que recebe reajuste ano a ano, o magistério ficaria sem qualquer reajuste por aproximadamente seis anos. Um absurdo.
Fora isso, vocês alunos sabem da realidade física da escola de vocês mais do que eu. Este governo inoperante não olha para as necessidades estruturais de nossas escolas. Precisamos de inúmeras melhorias que nunca ocorrem e nunca são colocadas em sua pauta. Em nossa escola, quantos anos promete-se reforma ou uma escola nova? Não preciso dizer. Para concertar um ar-condicionado é um parto. Vocês sabem.
Entre essas aberrações do governo existem outros fatores que não são necessários listar aqui. Basta dizer que greve é um direito assegurado pela constituição a todo trabalhador [Leia aqui a lei]. Estou apenas exercendo este meu direito. Até agora, não houve qualquer manifestação do ministério público contra nossa greve. Não houve qualquer alegação judicial para que esta greve seja considerada ilegal ou abusiva. Mesmo assim, o governo rasga a constituição e a joga no lixo, uma vez que descontará ao menos 1/3 do salário dos grevistas, embora a constituição afirme que a prática da greve "assegura aos trabalhadores o direito à percepção dos salários durante o período de paralisação".
Também, não posso deixar de falar, embora não goste de comparações, que, com a proposta, o governo divide a categoria do magistério, como se houvesse diferença na qualidade das aulas entre professores ACTs ou Efetivos. Com a diferença que propunha a proposta não há isonomia, isto é, equiparação de salários entre profissionais que exercem a mesma função. O governo confunde descompactação com diferenciação. A descompactação deve ser feita pelo tempo de serviço e titulação acadêmica, de outro modo não há justificativa. Eu, como professor contratado, tenho certeza que em nada minha aula deixa a desejar diante das aulas dos professores concursados. Tenho certeza que mesmo aqueles alunos que não tem afinidade com a disciplina que trabalho não tem dificuldade em reconhecer o domínio que tenho daquilo que estou ensinando e que busco trazer do melhor modo o que ensino ao entendimento do discente, tentando mostrar a importância do meu conteúdo, mesmo num mundo em que conteúdo útil é aquele que dá dinheiro.
Quero salientar a vocês alunos, e somente a vocês, que estou triste diante das circunstâncias.
Triste por alguns que tem dificuldade em ter senso de solidariedade e entender a luta de seu professor.
Triste por alguns colegas que permaneceram em sala de aula e alongam a duração desta greve.
Triste por tomar conhecimento das ameaças absurdas que recaem sobre vocês.
Triste por alguns perderem a oportunidade de lhes ensinar o que é ser cidadão.
Por quê eu e outros aderiram a greve e alguns não?
Gente, os grevistas não lecionam por hobby. Eles dependem deste salário para sobreviver. Por isso, o argumento de alguns colegas que dizem não aderir a greve por não poderem ficar sem salário não cabe. Não são somente eles que não podem ficar sem salários devido a contas a pagar. Ninguém pode. E ainda, com essa postura estão aceitando já de antemão o desconto inconstitucional do governo, deixando de lutar por este direito.
Outro motivo pelo qual alguns não aderiram é, sem dúvida, as marcas da última greve (2011). Ficaram mais de 60 dias parados, o governo parcelou a proposta aceita pelo sindicato e posteriormente não cumpriu com o combinado. O sindicato ficou taxado como vendido. Mas estes colegas não entendem que somos nós que devemos construir a luta. Se não concordaram na época com o sindicato bastava não retornar as atividades. O sindicato hoje é outro. Mesmo assim, o tenho apenas como um instrumento que me dá aporte jurídico para a luta.
Há ainda aqueles que não aderiram por entender que não estão perdendo nada. Apesar de não estarem ganhando, acham que não vale a pena aderir a greve na medida em que não estão tendo perdas salariais. Mas estes estão completamente indiferentes diante do congelamento do salário nos próximos anos. Aí estará a perda, que não é pequena. Uma pena essa postura.
Por incrível que pareça outros professores não aderiram porque seus contratos não seriam renovados caso estivessem em greve. Tudo bem esperar a renovação do contrato, mas deixar-se manipular pela gerência da educação para não entrar em greve é outra coisa.
Os motivos são muitos e não cabe listar todos aqui.
Fato é que no fundo falta personalidade, palavra e caráter para alguns. Eu disse "para alguns".
Conversei com certo colega dias antes do início da greve, não cabe mencionar o nome porque isso farei pessoalmente. Falei: o ideal é aderirmos a greve após o feriado, uma vez que ele quebra um pouco a mobilização. Este colega disse: Mas é muito demorado, eles vão aprovar a MP, etc. Pensei: está certo, vamos contudo então. No outro dia, na escola, falei de minha posição e que estava indignado com a situação, que precisaríamos nos mobilizar. Na segunda-feira eu com outros colegas aderimos a greve. Este colega, para minha surpresa, não aderiu. Soube depois que tinha problema no contrato. Mas porque não me falou antes? A esta omissão chamo de oportunismo, de falta de caráter. Pior, afirmou que após a resolução do problema do contrato iria aderir e não aderiu. O que me leva a crer, que após a derrubada da MP, que era só o que interessava a esse medíocre professor, não lhe interessava mais a luta de sua categoria. Posição mesquinha, covarde, sem vergonha. Ninguém é condenado por não aderir a greve. Os respeito. Mas não tolero argumentos toscos, não tolero omissões desse tipo, pois denunciam o caráter da pessoa.
Meus alunos, saibam de uma vez por todas que nenhum professor gosta de fazer greve. Ninguém gosta de correr o risco de ficar sem seu salário ao final do mês. Ninguém gosta de um calendário de reposição. Mas tudo isso é necessário quando é preciso exercer sua cidadania e lutar por seus direitos.
A vocês peço apenas compreensão.
Um forte abraço a todos.
#GREVESEMMEDO
#professorlutandotambémestáensinando
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