por Douglas Weege
Com intuito de analisar coerentemente como é
gerado o juízo moral de aprovação e desaprovação faz-se necessário um
apontamento contextual sobre a reflexão realizada por David Hume, que serve de
embasamento sólido para suas elucidações posteriores. No início da investigação
humeana – sobre os princípios da moral – fica evidente a questão central de
toda sua abordagem, isto é, se os fundamentos gerais da moral derivam da razão
ou do sentimento. É notória, no decorrer de sua obra, a insatisfação para com os
racionalistas, que, segundo o pesquisador Jaimir Conte, “sustentavam que as
ações são em si mesmas certas ou erradas, e que o sentimento e o interesse
próprio poderiam e deveriam ser superados por idéias adequadas do que é
eternamente bom ou mau”.[1]
Hume é contra esta visão em sua filosofia moral. Embora evidencie o papel
positivo da razão nas ações morais, expõe de maneira clara e prática, como bom
empirista, diversos aspectos da vida cotidiana que não o permitiram pensar como
Locke, Clarke e outros pensadores.
Pois bem, não cabe aqui expormos
toda argumentação de Hume contra a aceitabilidade da razão como fundamento e/ou
princípio da moral, mas vale à pena registrar um apontamento extremamente
interessante no que tange a relação de contrariedade
entre duas pessoas. Esta relação ocorre, segundo Hume, quando temos de um ou de
outro lado um “ato condenável de ingratidão”. Uma pessoa pode num determinado
momento em que é bem tratada e servida retribuir essas ações com indiferença e
hostilidade, sem qualquer gratidão. Porém, podemos na vida cotidiana verificar
também o inverso, isto é, uma pessoa que não encontra no outro qualquer boa
vontade podendo respondê-la da mesma maneira com indiferença mas, neste caso,
sendo respeitosa e grata (apesar de...). O que vemos nestas situações, segundo
Hume, é que “jamais se conseguirá estabelecer a moralidade sobre uma relação,
mas será sempre necessário recorrer às decisões do sentimento”.[2]
Notamos que Hume, embora não
descarte a razão, estabelece o sentimento
como princípio fundamental dos juízos morais. Segundo Conte, “Para Hume, a razão atua na descoberta de relações
causais, podendo nos informar a respeito dos melhores meios para atingirmos os
nossos fins, que nunca são ditados por ela, mas pelas nossas paixões”.[3] Essa
aplicação da razão se dá pelo fato da mesma poder, segundo Hume, determinar questões de fato e estabelecer relações de idéias.
A utilidade parece exercer um papel fundamental no juízo moral caracterizado
de vício ou virtude. O útil e agradável torna-se virtuoso. Na realidade, o
juízo moral que fazemos com base na utilidade parece ser muito característico do contexto
histórico em que estamos inseridos no século XXI. O capitalismo, grande senhor
por detrás das relações utilitaristas, parece apenas fortalecer essa idéia. Por
isso, Hume é apontado por alguns como pai do utilitarismo.
Pois bem, segundo Hume, o
“sentimento agradável de aprovação” em relação a determinada ação é dito virtude e o contrário vício. A problemática está justamente no
princípio da moral adotada por Hume, isto é, o sentimento. Em relação a este
ponto se destacam nas abordagens dos pesquisadores duas interpretações básicas,
são elas: subjetivista e realista.
Para Conte, entretanto, é preciso diferenciar o
“fenômeno que alguém observa e o sentimento que alguém experimenta enquanto
observa”. O mesmo pensador salienta, sistematicamente, como fazemos distinções
morais no modelo humeano, como segue abaixo:
1º. Temos uma
impressão de alguma ação ou qualidade de caráter; 2⁰. A razão nos diz se essa ação ou qualidade é útil
ou agradável para a sociedade ou para a própria pessoa; 3º. Temos sentimentos
agradáveis de aprovação ou desagradáveis de desaprovação. Se reagimos com um
sentimento de aprovação, consideramos a ação ou qualidade uma virtude. Se
reagimos com desaprovação, consideramos a ação ou a qualidade um vício.[4]
É importante notar, portanto, que esses juízos
de aprovação e desaprovação são gerados por um sentimento, dito por Hume,
universal. Como já falamos, um sentimento agradável ou desagradável. Neste
ponto, vale lembrar o que o próprio Hume coloca: “Em todas as decisões morais,
esta circunstância de utilidade pública é o que sempre se tem principalmente em
vista”. Para Conte isto evidencia que para Hume quase todos os juízos morais
envolvem considerações da “utilidade pública”. Deste modo, infere-se a
necessidade da justiça e aponta sua aprovação, pois a benevolência e a justiça
são aprovadas por causa de sua utilidade e esta se torna a explicação de outras
virtudes.
[1] CONTE,
J. A Natureza da Moral de Hume. pág.
22. São Paulo. 2004.
[2] HUME,
D. Investigações Sobre O Entendimento
Humano e Sobre Os Princípios Da Moral. pág. 371. São Paulo 2004.
[3] CONTE,
J. A Natureza da Moral de Hume. pág.
65. São Paulo. 2004.
[4]
CONTE, J. A Natureza da Moral de Hume.
pág. 72. São Paulo. 2004. [online] Disponível em: http://www.cfh.ufsc.br/~conte/txt-tese.pdf
Acesso em: 15 out. 2010.
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