15 de novembro de 2012

Uma Análise da Obra "Ética a Nicômaco - Livro I" de Aristóteles


por Douglas Weege


RESUMO
As diversas noções de felicidade existentes influenciam diretamente a prática cotidiana do indivíduo. Em Aristóteles podemos notar uma noção bem precisa. Compartilhamos do pensamento aristotélico no que concerne a esta concepção de felicidade por verificarmos que esta noção possibilita ao indivíduo uma vida boa. Vida boa refere-se a uma vida virtuosa, condizente com a função do homem tratada por Aristóteles de modo ímpar.


Palavras-chave: felicidade, virtude, sumo bem, bem.

1 INTRODUÇÃO

O intuito desta reflexão será de analisar panoramicamente o Livro I da obra Ética A Nicômaco de Aristóteles. A pretensão será de explorar como o pensador começou a esboçar sua problemática. É importante destacar isso devido à consciência que se deve ter que uma análise mais apurada e minuciosa de toda obra demandaria mais tempo e muito mais linhas do que aqui se propõe. Por isso, é importante salientar como e com que preceitos serão analisados este início da obra.

A análise proposta será construída através de uma exposição concisa do conteúdo aristotélico seguido de comentários interpretativos do texto. A abordagem será centralizada no problema iminente do pensador. Com isso, objetiva-se encontrar no corpo do próprio texto os conceitos utilizados pelo pensador, bem como, as teses e argumentos utilizados a fim de inseri-los no decorrer da exposição comentada sugerida.

Serão destacados, na exposição, em itálico os termos fundamentais que são utilizados corriqueiramente por Aristóteles em sua obra. Desta maneira fica evidente a importância com que o autor utiliza as palavras que serão enfatizadas. Obviamente, condizente com isto, serão destacadas da mesma maneira as passagens retiradas da própria obra do autor.

Antes, porém, de iniciarmos a exposição do conteúdo aristotélico é importante situar o autor, a obra e o método utilizado por Aristóteles. Como é sabido, Aristóteles nasceu em Estagira, na Grécia, em 384 A.C. Era filho do médico Nicômaco, da corte do Rei Aminas II, pai de Filipe, da Macedônia. Aristóteles procurou em Atenas por uma boa formação quando ainda era jovem. Sentiu-se atraído pela Academia de Platão e a escola retórica do sofista Isócrates. Escreveu diversas obras, entre elas a Ética a Nicômaco. Segundo Nodari[1] a Ética a Nicômaco situa-se na fase “instrumental-mecanicista” de Aristóteles, que foi de 347 A.C., ao deixar Atenas após a morte de Platão, até 335/334 A.C. ao romper com certos aspectos das ideias platônicas. Outro ponto que Nodari destaca e vale a pena mencionar é que Aristóteles não aceita o método matemático de Platão, pois não é concebível a reflexão ética partir de abstrações, mas sim, das mais diversas experiências do cotidiano das pessoas. Por isso, na obra supracitada nos salta aos olhos mais propriamente um método dialético do que qualquer outro.

2 EXPOSIÇÃO – Problema, Conceito, Teses, Argumentos, etc.

Como falamos anteriormente as linhas a seguir buscam enfatizar a centralidade da obra aristotélica e não propriamente uma minuciosa análise exegética do texto. Pois bem, comecemos com a formulação do problema aristotélico.

Fitando os olhos logo no início da obra de Aristóteles temos a obrigação de ressaltar a afirmação primeira do autor, isto é, que toda a arte e toda investigação, bem como toda ação e toda escolha, visam a um bem qualquer.[2] Tal constatação e tese nos leva rapidamente ao grande problema que o filósofo irá buscar solucionar. Antes, porém, de explicitá-lo com mais detalhes é cabível verificar que este bem, num primeiro momento dito qualquer, transformar-se-á no que Aristóteles chama: sumo bem. Ora, constata o filósofo: não terá o conhecimento desse bem, então, grande influencia sobre a nossa vida?[3] Obviamente nos rendemos facilmente a Aristóteles em sua abordagem. Não há como não concordar com seu pensamento inicial, pois evidentemente é desse bem qualquer, talvez não consciente e conhecido, que todos de certa maneira são escravos. Entretanto, o conhecimento do sumo bem é extremamente importante, defenderá o pensador, para que cada indivíduo viva feliz, com ética e virtuosidade, mas não pretendo adiantar as conclusões que a obra aristotélica irá expor em suas colocações e levantamento de questões. Pois a obra de modo geral irá definir propriamente o que é a felicidade e a vida virtuosa, entretanto, vale lembrar, nos cabe aqui um levantamento inicial do primeiro livro de sua Ética a Nicômaco.

A ciência política, de acordo com o texto, é a faculdade em que este bem é objeto, pois ela decide quais a ciências a serem investigadas e as que os cidadãos devem conhecer. Sendo a política, portanto, a legisladora das demais ciências cabe a ela, em sua finalidade, abarcar a finalidade das outras, sendo esta, como diz Aristóteles, o bem humano. Após estas colocações e algumas outras, que não cabe mencionar aqui, o pensador tem claro que tanto para os homens, como ele chama, de cultura superior como para os de cultura inferior (vulgo, segundo ele), esse bem supremo é a felicidade.[4] De modo particular, penso que neste momento o problema central, que pode ser equacionado de diversas maneiras, que Aristóteles buscará resolver é ressaltado de maneira mais evidente através de algumas questões, tais como: O que vem a ser, de fato, a felicidade? Ou: O que é o bem viver? Qual a diferença entre “um homem” e “um homem bom”? Ou, ainda: Como vive quem é feliz? 

De fato, é aceitável a tese de que o indivíduo reflete em suas ações cotidianas aquilo que o mesmo entende por felicidade, mesmo que ele, propriamente, não saiba. E parece ser por aí que Aristóteles começará a formular o conceito de felicidade e, consequentemente, a definir o que é o sumo bem.

Segundo Aristóteles, há três tipos de vida e que, podemos inferir, três tipos de entendimento do que venha a ser a felicidade. Notamos neste momento a exposição de diversas noções a respeito do que vem a ser a felicidade. Primeiro, há um tipo de vida que relaciona a felicidade com o prazer. Para Aristóteles essa vida se assemelha a escravos, comparando-a a vida dos animais, pois estes, como se sabe, sujeitam-se a todo e qualquer instinto e/ou vontade. De acordo com seu argumento, não é propriamente um tipo de vida ou uma ideia de felicidade que é evidenciado apenas nas classes mais baixas ou em indivíduos de cultura inferior, tanto é que menciona o exemplo do rei mítico da Assíria Sardanapalo. Esta vida coincide com aquilo que chamamos de hedonismo, isto é, a procura indiscriminada do prazer.[5] Neste sentido, esta noção de felicidade não leva em conta o bem comum da nação ou cidade-estado,[6] o que parece não ser o mais apreciado pelo pensador. Segundo, existe a vida política. Neste tipo de ideia de felicidade presume-se num primeiro momento a honra como o fim a ser alcançado, entretanto, remete a mera busca por certo reconhecimento. Trata-se de outra noção indigesta por Aristóteles, pois sugere que a virtude parece ser mais excelente que a honra, entretanto, percebe também nesta certa falta. Terceiro, há a vida contemplativa, que Aristóteles propõe-se uma análise em outro momento de seu texto, com isso, parece sinalizar algo que defenderá mais a frente.

É decorrente o aparecimento de novas questões na tentativa de formulação do bem supremo a que Aristóteles está se propondo. Percebe-se que a felicidade tem haver diretamente com a função do homem, mas sobre isso enfatizaremos mais adiante. A teoria das ideias de Platão é criticada e rejeitada como fundamento da felicidade plena. Não cabe relatar aqui toda crítica aristotélica a teoria das ideias no que concerne à felicidade, mas apenas ressaltar a ênfase dada pelo pensador em estar buscando algo atingível, coisa que não concebe na ‘ideia’ de felicidade platônica. Vemos claramente a exposição, mesmo que rasa, de diversas concepções de felicidade e logo em seguida a refutação com brevíssimos argumentos, diga-se de passagem, um tanto plausíveis para quem acompanha a lógica de seu pensamento. Em outras palavras, faz sentido pensar da maneira que Aristóteles está pensando em sua Ética.

Retomando a afirmativa inicial de que há uma finalidade em todas as nossas ações Aristóteles busca uma estratégia clara para seu fim, como segue na citação abaixo:
Já que evidentemente há mais de um fim, e escolhemos alguns deles (...) em função de alguma outra coisa, segue-se que nem todos os fins são absolutos; mas o bem supremo é claramente algo absoluto. Portanto, se há somente um fim absoluto, será esse o que estamos procurando; e se há mais de um, o mais absoluto de todos será o que estamos buscando.[7]
Deste modo, ele verifica que o bem supremo é absoluto e incondicional justamente por não ser buscado visando outra coisa. A finalidade última, neste caso, parece ser como ele mesmo menciona mais uma vez, a felicidade, pois é a ela que o indivíduo quer chegar ao buscar honra, prazer, riqueza, etc. A felicidade como bem supremo é, deste modo, autossuficiente, isto é, o fim absoluto que não carece de nada e, mais ainda, a finalidade da ação. Para Aristóteles isso começa a fazer mais sentido ao explorar e identificar a função do homem. Como havíamos falado anteriormente a felicidade como este fim absoluto, autossuficiente e como fim da ação tem plena relação com a função do homem. Notamos nessa construção e problemática aristotélica o levantamento de uma série de outras questões. São questões emergenciais para a solução das questões que vão sendo levantadas a partir do problema central. Tais acontecimentos são típicos da filosofia e/ou do filosofar.

Em diversos momentos reaparece a preocupação. Como já falamos, parece evidente, pensando no cotidiano de cada indivíduo, que dependendo da noção particular sobre o que vem a ser a felicidade se toma esta(s) ou aquela(s) atitude(s). Esse é um dos fatores pelos quais é imprescindível uma correta definição de felicidade. Pois bem, voltemos à função do homem. Notamos, então, nas palavras de Aristóteles que a função do homem e que o difere de toda e qualquer outra espécie é uma atividade da alma que implica um princípio racional, logo: o bem do homem vem a ser a atividade da alma em consonância com a virtude.[8] Em outras palavras, a função do homem é uma vida ativa virtuosa. Tal vida refere-se à de um homem bom e feliz. O filósofo ressalta ainda a diferença de concebermos o sumo bem como posse ou exercício. Claramente ele afirma que devemos conceber como exercício/atividade, pois, segundo faz-se compreendido, de nada adianta um estado de ânimo que nada resulta. Parece permissível pensar, com base no que Aristóteles defende argumentativamente, que há um apontamento claro em sua ética para uma filosofia prática, já que se refere à função do homem como um princípio racional concernente a virtude. Embora tudo até aqui leve a condenar um conceito de felicidade com foco na riqueza, prazer, honra, etc. Aristóteles enfatiza a importância dos meios pelos quais é possível praticar ações nobres. Segundo ele: a felicidade necessita igualmente dos bens exteriores, pois é impossível, ou pelo menos não é fácil, praticar ações nobres sem os devidos meios.[9]

Como em outros momentos, novamente outras questões são levantadas com vista no problema central. Como é adquirida a felicidade?
É por este motivo que se pergunta se a felicidade deve ser adquirida pela aprendizagem, pelo hábito ou por alguma outra espécie de exercício, ou se ela nos é dada por alguma providência divina, ou ainda pelo acaso.[10]
Com essas indagações Aristóteles percebe e afirma mais uma vez que é a felicidade a melhor entre todas as coisas humanas e todos os demais bens são apenas ferramentas para chegar a ela. Sendo ela, a felicidade, o que há de mais importante na existência humana e possuindo essa estreita relação com a função do homem não é cabível, menciona o filósofo, confiar ao acaso o adquirir deste sumo bem.

Com intuito de pararmos por aqui, pois como estabelecido mencionamos a pretensão de uma breve exposição do problema, conceitos, argumentos e teses do Livro I da Ética a Nicômaco, chamo a atenção para esta relação que Aristóteles faz da felicidade como objeto de estudo da ciência política e não de outra. É claro que esta evidencia se dá pelo fato do que Aristóteles pensa com relação a polis, que não cabe aqui um apontamento, até mesmo para não ser vago. É apenas relevante diante das teses proferidas, argumentos expostos, problema levantado e conceitos utilizados referir-se a solução que o pensador começa a esboçar no livro que aqui expomos, isto é, que este fim último de toda e qualquer ação e que possui fim em si mesmo é absoluto e autossuficiente, mais do que isso, é o que possibilita, através do conhecimento do indivíduo, de forma particular, e da comunidade como um todo, viver virtuosamente, ou seja, viver como um homem bom. Tal atividade racional, como Aristóteles se refere, possibilita uma vida feliz e em consonância as virtudes. Enfim, a felicidade relaciona-se com a função do homem, que é a de ser feliz.


3 REFERÊNCIAS

[1] Paulo Cesar Nodari é Atualmente professor Adjunto I na Universidade de Caxias do Sul. Foi professor no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Caxias do Sul (PPGED-UCS). É professor da Pós-Graduação (Mestrado) em Filosofia na Universidade de Caxias do Sul (PPGFIL-UCS).
[2] ARISTÓTELES. Ética A Nicômaco. São Paulo: editora Martin Claret. PÁG 17.
[3] IDEM, PÁG. 18.
[4] IDEM, PÁG. 19.
[5] ABBAGNANO, Nícola. Dicionário de Filosofia. 5ª edição. Martins Fontes. São Paulo:2007.
[6] Aristóteles no início de sua narrativa já deixa claro que é mais nobre e divino atingir o fim em prol da nação do que em seu próprio benefício particular, dando indícios de que o sumo bem tem total relação com uma objetividade e não com um elemento subjetivo.
[7] ARISTÓTELES. Ética A Nicômaco. São Paulo: editora Martin Claret, PÁG. 25.
[8] IDEM. PÁG. 27.
[9] DEM. PÁG. 30.
[10] IDEM PÁG. 31.


4 BIBLIOGRAFIA

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 1ª edição brasileira coordenada e revista por Alfredo Bossi; revisão da tradução dos novos textos Ivone Castilho Benedetti. 5ª edição. São Paulo, Martins Fontes, 2007.

ARISTÓTELES. Ética A Nicômaco. (Tradução Pietro Nassetti). São Paulo, Editora Martin Claret, 2008.

FERRATER MORA, José. Dicionário de Filosofia. Traduzido do espanhol por Antonio José Massano e Manuel Palmeirim. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1978.

NODARI, Paulo Cesar. A Ética Aristotélica. Síntese – Revista de Filosofia, Belo Horizonte, v.24, n.78, p.383-410, 1997.


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